domingo, 26 de julho de 2009

Viagem 5

Prosseguiram a conversa por umas duas horas (note que este tempo vem da nossa imaginação, que os vemos por fora), neste momento as únicas pessoas que não conversavam eram o doente e o moleque.

Paulo continuava tentando ser simpático com o filho, ao mesmo tempo em que tentava ser antipático com a esposa. Nesse fogo cruzado estava Marcos, que se interessou por Paula, talvez devido ao fetiche dela ser mãe, e do ex-esposo estar tão perto. Às vezes Marcos jogava e a estratégia era ser o oposto do que Paulo era, o que agradava Paula, e ela demonstrava isso, principalmente para irritar, ou tentar reconquistar, Paulo.

Na parte de trás do ônibus, José e Maria estavam muito felizes por ter um pedaço de sua filha de volta, e Lívia feliz por ter um pedaço de seus pais de volta. Os três conversavam e riam como se conhecessem há muito tempo, e isto os alegrava.
Num dado momento todos pararam de conversar e se entreolharam, todos os oito passageiros. Por um instante entenderam. E continuaram conversando. Mesmo os que não estavam conversando entenderam.

Na verdade, o moleque, a criança, foi a primeira a entender. Mas não quis parar, não queria deixar de ver o pai e a mãe juntos, flertando, como que se gostasse de ver que eles ainda sentiam algo um pelo outro. Mas viu que não. Viu que tudo, em todos, em todos os oito, tudo não passava de um grande teatro. Um teatro verdadeiro, ele compreendeu. Era verdade que Lívia sentia algo pelos seus pais, era verdade que José e Maria sentiam muito a falta de Carla, era verdade que o doente era a pessoa doente que ele era, era verdade que Marcos flertava, que seu pai gostava dele, que a mãe além de amá-lo amava também o pai. Era verdade. Assim como era verdade que ele deveria ser a pessoa que mostraria a todos o que estava acontecendo.

Ele se levantou. Olhou para todos. Todos pararam de conversar, sabiam o que estava acontecendo, mas tinham medo. Olhou dentro dos olhos de cada um. Com a profundidade de quem diz: “Se cuidem. Entendam. Vocês tinham que ter sido mais, e melhores.” E disse:

- Eu vou.

O ônibus parou. A neblina ainda estava la. Mas eles estavam enxergando. Ele saiu. Todos se olharam. Não estavam espantados. Não estavam mais com medo. O doente saiu logo após o garoto. Haviam finalmente chegado ao destino final.

Um comentário:

Hélio disse...

Cabuloso!
.
Dava um livro!!!