segunda-feira, 11 de julho de 2016

Uma experiência de ensino e aprendizagem com a Agronomia

Oi, joia?

Este semestre peguei para lecionar uma disciplina que não gosto (e este meu desgosto é público): FIF193 - Introdução aos Fluidos e Termodinâmica, para a turma de Agronomia. O meu desgostar não é devido ao conteúdo, nem à turma (apesar do bloqueio claro que eles têm com Física e Matemática). É devido ao tempo extremamente limitado (2 horas semanais) para dar um conteúdo que é de aplicação imediata na área de Agronomia.

Ano passado, quando me passaram esta disciplina, já comecei a pensar em como eu faria pra molecada tentar, ao menos tentar, pensar um pouco da ciência Física na área deles. Já lecionei para Agronomia algumas vezes no passado, tentando alguns "métodos" para melhorar o aprendizado, e a atenção da galera em sala:
  • Com relação ao "aprendizado medido por avaliação"¹: 
    • somente provas e aulas mais técnicas (o pior, om 90% de reprovação); 
    • aulas técnicas + lista de exercícios (também ineficaz); 
    • provas técnicas/conceituais + trabalho sobre Agronomia e Física.
      • Este último eu tinha grande esperança, mas... a galera deixava pra fazer o trabalho na última semana, apesar de todo e qualquer esforço moral que tentava dar.
  • Com relação à atenção em sala:
    • O que sempre tento, TENTO, em todas as turmas, é respeitar sempre o/a estudante em sala, como pessoa e como "adulto", assumindo uma maturidade, minha e deles, que às vezes falta, em ambas as partes. Sair do pedestal docente que muitas vezes ou a gente gosta de ficar ou a gente se coloca "por osmose" mesmo. Isso me deixa em posição bastante confortável pra dizer que tenho poucos (quase nenhum) problema com respeito em sala de aula².
    • Tento, TENTO, falar de política e atualidades (enquanto posso, enquanto o "Escola sem Partido" ainda não chegou) em sala, para trazer o pessoal pro meu "papo" antes de começar as aulas (este semestre tive, infelizmente, MUITO assunto sobre política, machismo, estupro, homossexualidade, etc. pra tratar em sala :( ).
    • Nas turmas de Agronomia há um certo despreparo, técnico e psicológico, com relação à Física e Matemática, e isto desmotiva docente e discente. O que fazer? Não tenho resposta. Sou Físico teórico, às vezes tenho uma dificuldade imensa (assim como a galera tem com Física e Matemática) em dizer alguma aplicação prática da ciência básica que estamos estudando. E o pessoal fica nessa de "ah... pra que serve isso?" Bom, já tentei nas turmas de Agronomia:
      • Ser rigoroso;
      • Ser bonzinho;
      • Ser o misto de bonzinho e mau... o maldoso de Schrödinger;
      • Tentar dar exemplos da área durante a aula;
      • Diminuir a tecnicalidade e aumentar o conceitual;
      • Etc.
Até este semestre (2016/1), NENHUM dos métodos avaliativos³ citados acima tinha dado certo com a turma da Agronomia (apesar de ter dado certo em turmas de Engenharias ou ciências básicas).

Este semestre tentei algo diferente: 
  • Aulas "normais" (pelo menos não vi ninguém soltando raio pelo olho, ou levitando, em sala), quadro e giz, com complemento de animações enviadas por sistema eletrônico (PVANet) e discussões extra-classe.
    • As aulas foram mais conceituais, mas sem fugir do (pouco) rigor matemático que posso exigir da turma ("Vai ter integral, SIM! E se reclamar, vai ter integral dupla!").
    • Tentava, sempre antes de introduzir um conceito, pedir que a própria turma dissesse o que pensava sobre o conceito (exemplo: o que é temperatura, ou o que é um fluido), e pedia para que a galera discutisse as propostas conceituais dos colegas. Tentando ver se eles mesmos chegavam à conclusão do que estávamos trabalhando.
    • Pedia SEMPRE que eles dissessem uma aplicação do que estávamos estudando dentro da Agronomia.
    • Aulas extras de exercícios, antes das provas.
  • Com relação à Avaliação:
    • 2 provas individuais, sem consulta, com 4 questões discursivas (técnicas e conceituais). Um exemplo de prova segue abaixo. Valor de cada prova: 30 pontos.
    • Um trabalho constituído de 3 partes:
      • Plano de trabalho (7 pontos), a ser entregue com 2 semanas de aula. No plano, o/a estudante teve que indicar o conteúdo de Física e Agronomia que iria trabalhar no projeto final, como pretenderia realizar o projeto final e quais os principais objetivos.
      • Pré-projeto (13 pontos), a ser entregue com 1 mês e meio de aula. A pessoa deveria indicar um pouco mais sobre a Física e Agronomia a serem abordados, assim como o método usado para a pesquisa (internet, Google, professores, colegas, etc) e (principalmente) a ligação entre Física e Agronomia.
      • Projeto (20 pontos), a ser entregue na última semana de aula, portanto com 4 meses de aula. A pessoa deveria entregar os detalhes técnicos sobre a Física e a Agronomia que foram abordados no projeto, a metodologia completa, bibliografia, o impacto futuro do que estudou, e principalmente a ligação entre Física e Agronomia abordados.
    • O único "contra" que encontrei com relação ao Projeto como avaliação: numa turma de 50 estudantes, pedi no Plano um mínimo de 2 páginas, no Pré-projeto um mínimo de 5 páginas e no Projeto um mínimo de 10 páginas, tornando assim um grande "trabalho" para eu corrigir tudo.
    • Os "prós" do Projeto: 
      • a turma estava MUITO atenta e empolgada com os conteúdos de Física em sala, por vezes ressaltando que aquele conteúdo específico entrou no trabalho e que estava auxiliando;
      • houve um respeito e confiança mútuo entre mim e a turma, a partir do momento que eu disse que teria que aprender com eles (no conteúdo de Agronomia) e que esperava que eles aprendesse junto comigo;
      • a taxa de reprovação foi muito baixa;
      • a taxa de evasão de estudantes na turma foi talvez a menor que já tive em Agronomia;
      • em vários momentos os estudantes me paravam pra conversar algo aleatório sobre Física (sobre teoria do Big Bang, por exemplo), e também sobre o Projeto;
      • houve uma real discussão e pesquisa entre os estudantes, que também procuraram outros docentes para conversar.
Da experiência deste semestre, consegui perceber o seguinte (algumas coisas pode parecer óbvio, mas não são, ao menos pra mim):
  • Sairmos do pedestal arrogante, da torre de marfim acadêmica que às vezes nos metemos e temos dificuldade de sair, nos ajuda MUITO em conversar e em passar de fato o conhecimento que temos;
  • Nos reciclar e tentar novas metodologias é essencial;
  • Quero tentar novamente, em turmas de Engenharia e Agronomia, este método... mas NUNCA que tento esta quantidade de páginas;
  • Ouvir os estudantes, e tentar nos incluir no que eles estão vendo em outras áreas é essencial também;
  • Temos que aproveitar ENQUANTO PODEMOS a chance de conversar sobre coisas extra-disciplina em sala, pois em breve as "pessoas de bem" vão nos deixar mudos, o que é problemático demais.
  • Aprendi um monte com a turma.
Enfim, é isso. Só um depoimento sobre um método que creio eu funcionou... pelo menos pra mim, que agora sei o que é um Carneiro Hidráulico, o que é Xilema e Floema, que a temperatura altera a dinâmica de formigas (!!!), que temperatura altera como o solo reage a determinado cultivo, etc.

Só tenho a agradecer. Obrigado.

Abraço,

Leo.



¹Sei que o método avaliativo não implica diretamente em aprendizado, mas infelizmente TEMOS que adotar algum método avaliativo.
²Note que não estou dizendo que não sou arrogante, sou e muito.
³Note que não conheço muitos métodos ensino/aprendizagem. São intuições minhas e aplicações empíricas em sala mesmo.



Um comentário:

ASOCoelho disse...

Ótimo texto, Leo. Irei absorver um pouco dessa sua experiência no meu próximo período.