segunda-feira, 9 de maio de 2011

Os aspectos sociais do emaranhamento quântico

Olá, com a permissão de meu amigo Gerardo Adesso, traduzi um texto dele que gosto muito, sobre emaranhamento. Espero que curtam.


Os aspectos sociais do emaranhamento quântico, de Gerardo Adesso

Traduzido livremente de “The social aspects of quantum entanglement”, de Gerardo Adesso: http://arxiv.org/abs/0706.0286. Trabalho publicado em uma revista cultural italiana.

Confissões de um físico teórico. O leitor pode estar se perguntando como e porque um artigo com um título tão estranho está em um jornal de cultura popular. Na verdade, a reação comum quando as pessoas encontram um físico teórico é olhar para ele como um alien, ou um psicopata autista incapaz de conduzir uma vida normal aproveitando assuntos mais 'populares'. Bem, existem várias razões do porque físicos teóricos não são tão populares mesmo entre pessoas com paixão por cultura. Qualquer um ficaria intrigado ao ouvir os absurdos que geralmente professamos sobre como a Natureza funciona! A teoria quântica, especificamente, afirma que nossa experiência do dia a dia do mundo “macroscópico” (coisas que tocamos e vemos) é inútil para descrever o comportamento do mundo “microscópico” (os componentes minúsculos das mesmas coisas que tocamos e vemos). Estes objetos minúsculos não sabem nem se eles são partículas (como bolas de sinuca) ou ondas de energia (como os raios de sol), e não porque nós não conseguimos detectá-los com precisão suficiente, mas por que existe um limite definitivo a priori para o conhecimento (desta precisão) que pode ser ganho. Então, dependendo em como olhamos para estes objetos, eles se comportam como ondas ou partículas, respondendo aleatoriamente nossos testes.

Agora vai e conta pra todo mundo que as mentes mais brilhantes do século passado descobriram o seguinte (confirmado por mais de 70 anos de evidências experimentais): que o mundo é intrinsicamente aleatório e que é impossível ter informação completa de seus componentes, e que isso implica que existem pobres gatinhos que podem estar ao mesmo tempo vivos e mortos... Eu penso que as pessoas vão ficar um pouco deprimidas, ou pensarão que você está completamente bêbado!! De fato, a mecânica quântica pode ficar um pouco mais conveniente! Este tal princípio de “incerteza” diz que quando você sabe exatamente a posição de uma partícula, você não pode saber qual é sua velocidade, e vice-versa. Então, na próxima vez que um policial te parar dizendo que você estava indo rápido demais com seu carro, tente dizer para ele (e diga para nós se funcionou) que de acordo com Mr. Heisenberg, como você está em um lugar não existe como saber qual a sua velocidade; e se ele insistir que ele gravou sua velocidade, você responde que você não poderia estar naquele lugar específico no momento, já que você estava delocalizado no universo inteiro!!!

Agora, se alguns poucos bravos leitores chegaram a este ponto vivos, eles têm no mínimo uma grande dor de cabeça! Relaxe, você está em boa companhia. Mr. Einstein eventualmente recusava a teoria quântica porque “Deus – ele disse – não joga dados.” E Mr. Feynman (e eu estou citando somente ganhadores de prêmios Nobel!) honestamente disse: “Ninguém entende mecânica quântica.” Então, tenho alguma esperança de fazer da física quântica um pedaço de cultura? Vou dizer agora para você sobre a mais contra-intuitiva e radical das características da mecânica quântica... ainda, vou tentar fazer desta característica tão natural quanto o sentimento que todo mundo experimenta desde o momento do nascimento e antes: amor.

Emaranhamento: paixão à distância. Mr. Schroedinger (outro pioneiro da mecânica quântica, também ganhador do Nobel: ele propôs o exemplo do gato) cunhou o termo “emaranhamento” (entanglement em inglês) em 1935 para descrever uma conexão peculiar em sistemas quânticos:

Quando dois sistemas entram em contato físico temporário
devido a forças conhecidas entre eles, e quando,
depois de um tempo de influência mútua, os sistemas são separados novamente,
então eles não podem mais ser descritos da mesma forma que antes.
Eu não chamaria esta uma mas sim a característica
marcante da mecânica quântica, a que força
todo o desvio da linha de pensamento clássica.
Por interagirem os dois sistemas se tornaram emaranhados.

Emaranhamento então se manifesta de alguma forma como uma correlação complicada (Einstein o censurou como uma “fantasmagórica ação à distância”) entre partes que estiveram em contato, e mantêm o contato mesmo milhares de quilômetros de distância. Isto tem sido demonstrado experimentalmente com átomos individuais ou feixes de luz; mas como isto pode se encaixar em nossa vida diária? O sentimento mais próximo que vem à minha mente é amor. Pense numa mãe e num filho, ou dois amantes que compartilham uma emoção intensa, e agora estão vivendo em partes diferentes do mundo. Eles sentem cada um, percebem a tristeza e a alegria da pessoa distante, e são influenciados por isso. Schroedinger adicionou:

Outra maneira de descrever esta situação peculiar é: o melhor conhecimento
possível do todo não necessariamente inclui o melhor conhecimento
de todas as suas partes. A falta de conhecimento é devida à própria interação.”

Em nossa metáfora, nenhum dos dois amantes está completamente por si só. Apenas quando estão juntos, complementam um ao outro. Eles são metades não separáveis de uma mesma entidade emaranhada. Nenhum entendimento próprio e completo, tanto em terreno físico quanto psicológico, está disponível para este fenômeno. Mas a linguagem da arte, provavelmente, pode deixar isto claro; emaranhamento é admiravelmente descrito por Pamela Ott, que tem quase zero conhecimento de mecânica quântica (perguntei pra ela!) e pinta “pelo seu subconsciente”. As ondulações das linhas, a escolha das cores complementares, o entrelaçamento desbotado dos corpos e almas é o que, em minha opinião, mais lembra a imagem de emaranhamento, e de paixão.

Famílias de emaranhamento: monogamia versus promiscuidade. Agora os assuntos ficaram intrigantes. O que acontece se existirem três ou mais partes neste jogo de amor? Tecnicamente, estamos lidando com o complexo tópico de “emaranhamento multiparte”. Neste contexto, existe uma lei fundamental: emaranhamento é monogâmico”. Se nossos dois amantes, tradicionalmente chamados Alice e Bob, realmente se amarem muito – eles estão maximamente emaranhados – não existe jeito algum de Alice estar pelo menos um pouco apaixonada por Carlos (ou o mesmo para Bob e Clara – os nomes são fictícios). Isto é talvez um pouco controverso, já que em nossa cultura está se tornando mais e mais popular a violação de monogamia em relações humanas... mas ao menos deixe-me dizer que emaranhamento, agora que olhamos para ele com olhos de amor, não é essa fera ruim que pessoas (até as mais eminentes) pensam que é. Você está começando a gostar disto? Note que se o amor entre Alice e Bob não for total, cada um deles pode trocar algum amor com partes extras!! Então vá pra casa, se assegure que seu(ua) parceiro(a) está maximamente emaranhado com você, de outra forma a suspeita é legítima!!

Outro aspecto interessante pode surgir em relações de muitas partes emaranhadas. O exemplo anterior (emaranhamento total exclui terceiras partes) estritamente se aplica a sistemas muito simples, objetos (ou pessoas) binários, apenas capazes de responder apenas sim ou não para qualquer pergunta sem argumentações mais estruturadas (nós os chamamos de “qubits”). Agora suponha que Alice e Bob são personagens mais complicados (nós os chamamos “sistemas de variáveis contínuas”), capazes de responder questões dadas uma série de motivações elaboradas. Um tipo de pessoa mais confiáveis, que podem em certo ponto enriquecerem sua família com um bebê. Eles podem amar o bebê sendo monogâmicos entre eles? Sim, eles podem! Neste cenário, o emaranhamento (amor) entre qualquer dois deles na família pode ser arbitrariamente forte, e isso aumenta o emaranhamento genuíno (amor) compartilhado pelos três (mãe, pai e bebê). Não é uma figura romântica e legal? Na verdade, uma descrição alternativa pode ser em termos de um grupo de três ou mais pessoas, que podem ser também todas do mesmo sexo! E esta “liberdade” que aparece quando sua personalidade é multifacetada e não binária (sim ou não), é um tipo de promiscuidade: quanto mais dois deles são atraídos por cada um, mais eles gostam de estar todos juntos agindo à três e mais orgias intrincadas! A sociedade quântica, como você pode ver, não é tão diferente da nossa: nós somos feitos de quanta e imersos neles... quem influencia quem?

Existe algum impacto quântico em nossa sociedade? Estes são apenas algumas maneiras divertidas de tentarmos relacionar o mundo microscópico (no qual emaranhamento não tem provavelmente nada a ver com amor) com o mundo que estamos acostumados a viver. Qualquer um pode imaginar a situação que sua fantasia melhor se aplica a este estranho reino quântico. Já no mundo dos Gregos e Romanos, as pessoas inventavam figuras (deuses) associados a eventos naturais, e imaginavam eles em banquetes e sendo envolvidos por paixões intensas. Emaranhamento é com certeza um dos misteriosos “deuses” do Livro da Natureza como o conhecemos hoje, e “quando chegamos ao emaranhamento – de acordo com V. Vedral – apenas avistamos a ponta do iceberg.”

Concluo por dar uma dica do que o emaranhamento pode realmente fazer por nós. Aparte o seu bem interessante aspecto social no nível microscópico, a nova revolução tecnológica informação quântica está tomando lugar, baseada no emaranhamento e suas propriedades. Em particular, Alice e Bob podem mandar e-mails carinhosos um para o outro com segurança incondicional de quem não haverá espiões, já que eles podem encriptar seus dados através de uma chave secreta estabelecidas a partir da intrínseca aleatoriedade das partículas quânticas, e protegidos pela monogamia de emaranhamento. E isto é realidade: sistemas cripto-quânticos são dispositivos plug-and-play que você pode comprar de MagiQ <www.magiqtech.com> ou IdQuantique
<www.idquantique.com>, e instalar no seu PC para definitivamente resolver o problema de hackers (quânticos). Similarmente, estamos trabalhando para construir computadores quânticos, que exploram superposições quânticas (onda e partícula, vivo e morto...) para fazer cálculos paralelos bilhões de vezes mais rápido que supercomputadores atuais!!! E há mais, muito mais...

Gostei de falar de um aspecto particular de ciência, que está entrando e gradualmente afetando a cultura popular. Como isto, existem muitos outros. Agora, da próxima vez que encontrar um físico teórico, por favor não olhe pra ele de uma maneira estranha :) e se lembre... estamos todos emaranhados!

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