4.
“Uma
semana agradável, depois de vários dias extremamente tensos.”
Digo para minha mãe quando ligo para ela no sábado de manhã. “Mas
o que foi, Marco?” “Ah mãe, muita coisa na cabeça, o término
com a Clara, trabalho enchendo a paciência. Enfim, coisas de adulto.
Hahaha” “A gente aqui ficou muito chateado com isso tudo entre
você e Clara. Você sabe o tanto que a gente gosta dela.”
“Complicado, mãe... complexo. Mas, fim de semana passado quando
tava na praia deu pra acalmar a cabeça. Aqui, vou desligar e arrumar
pra almoçar. Hoje devo dar uma saída com o pessoal.” “Tá bom,
juízo aí.” “Ok. Te amo. Beijos.” Ela nunca iria entender, nem
ela nem ninguém. Às vezes acho que nem eu mesmo entendo.
“Ei,
a fila andou!!!” Uma senhora me diz, enquanto estou com a colher de
arroz para servir. “Opa, desculpa!” Nos últimos dias ando
perdendo muito a cabeça, sonhando acordado, pensando o que fazer da
vida. Desde o último mês, quando a ficha realmente caiu sobre que
estava ocorrendo comigo, tenho ficado bastante assim. Sirvo um prato
típico, peço um suco, e ao término vou para casa descansar. A
semana foi muito boa, mas minha cabeça está em frangalhos. Estar
preparado para permanecer vivo, dentro de minha cabeça, é um
trabalho que desgasta. Deito no sofá e ligo The Doors.
Acordo
com o celular tocando, “Fala Marco, beleza?” “Tudo tranquilo,
Carlo. Dei uma cochilada. Hehehe” “Deu pra perceber pela voz. E
aí, melhorou?” “Tô bem. Parou de dar pane em meu corpo. E minha
cabeça parou de doer. Cara, tava difícil ficar daquele jeito.
Parece que tirei algo das costas.” “Marcão, você não sabe o
tanto que fico bem em ouvir isso.” Sinto verdade na voz de Carlo,
ele sempre foi um amigo bacana. “Eu também! E aí, tá combinado
as 8 no Bar?” “Pois é, tá combinado. Tá indo eu, Janaína,
Paulo, Luis, e duas amigas – gatinhas por sinal – da Jana.”
“Hahaha. Tô de férias disso, meu caro! Mas tá certo então,
combinado.” Desligo o telefone, penso que vai ser uma noite
agradável. Pessoas bacanas, papos ótimos, mulheres bonitas. Mesmo
que eu não queira mais nenhuma, é sempre bom ver gente bonita.
Consigo
apenas pensar em não ligar, não mandar mensagem, não procurar, não
ver a Clara. Ela não tem mais o costume de frequentar o Bar, mas
como minha cabeça está boa esses dias, creio que é melhor fazer
este tipo de “terapia pré-buteco”. Antes de sair de casa, vou
desligar o som. Jim Morrison canta assim que chego para apertar o
botão, “This is the end/My only friend/The end.”
No
Bar, chego antes de Janaína com as amigas. Paulo, Luis, Carlo e eu
conversamos sobre nossos times, eles tomando uma cerveja e eu um
suco. Obviamente, todos ficam caçoando de mim devido à minha
abstinência alcóolica, mas faz-se necessário. Acabo por entrar na
brincadeira, dizendo que aceitei de vez minha condição de fraco.
Janaína chega com suas amigas e as apresenta. Ana, cabelo curto,
seios fartos, sorriso bonito, cara de espertinha. Priscila, não me
chama atenção, apesar da extrema beleza de seu rosto. Ambas muito
simpáticas, entram na conversa sobre futebol, já falando do jogo de
amanhã.
A
conversa rende bem, todos muito interessados uns nos outros. As
novatas ficam tentando me dar bebida, aceito um copo de cerveja e
nada mais. Os amigos antigos, em especial Carlo e Jana, ficam
surpresos e no fundo orgulhosos de mim. De fato eu estou muito
orgulhoso de mim por esta força, umas semanas atrás eu estaria
pedindo todos os copos de todas as bebidas possíveis. A noite
continua agradável, o papo extremamente feliz: futebol, fofocas
engraçadas do trabalho, piadas, política, animais de estimação.
Ana sendo muito simpática comigo, mais que Priscila, ou seria
impressão minha?
Vou
ao banheiro e me deparo com uma cena que há muito não via, meu
rosto com o semblante bom, de quem está feliz. “Muito bom. Um
ótimo início de final de semana, para uma excelente semana.”
Sorrio honestamente e retorno à mesa. Chegando lá, Ana está onde
Carlo se encontrava, ao lado de minha cadeira. “Moça bonita, e
intelectual. Gosta de ser desafiada, e de sorrir por besteiras. Tá
no papo.” Penso com meus botões. Sento ao seu lado, e começo a
perguntar sobre o que ela faz. “Acabei de terminar curso de
Farmácia, estou começando uma pós graduação.” “Mestrado?”
“Isto. Tá bem legal, sabe?” “Inventa um remédio pra mim, que
me deixa mais feio. Ou pelo menos um remédio que te deixa menos
interessada em mim!” Ela sorri, chegando perto e encostando em meu
joelho. Pronto, se eu quiser já consegui. Prossigo a conversa, até
o ponto em que Jana e Priscila vão embora, e ficamos eu, Ana e Carlo
no Bar.
Apesar
de não estar com tanta vontade de ninguém no momento, meu instinto
fala mais alto e acabo por ficar com Ana. Carlo vai embora, e eu sigo
para casa com Ana. “Você é linda!” “E você sabe fazer uma
mulher querer, hein?” Ela já está um pouco tonta, mas nada que a
faça perder os sentidos. Não sou tão escroto quanto isto. Levo ela
para minha casa, e da entrada já vamos para o quarto. As peles se
encostando, as línguas se entrelaçando. Além de escitação
sexual, era pra eu sentir algo, certo?
Enquanto
estamos na cama, transando, começo a pensar nos últimos dias, penso
na minha família, penso em Clara. Não há mais sentimento em nada,
uma profunda depressão retorna à minha cabeça. Porque estou
fazendo isso? Porque insisto em fingir prazer, em fingir felicidade?
Se eu não estiver aqui, quem vai sentir falta? Meus pais e irmãos,
óbvio, mas o tempo irá curá-los. O tempo não irá me curar. Todas
as frustrações de minha vida, das últimas semanas, passam pelos
meus olhos enquanto Ana está em cima de mim. Não há o que fazer.
Penso: “Não há cura para isso, Marco, seu imbecil!”
Exatamente
na hora em que gozo tomo a decisão. O prazer falso que externo para
Ana, e o nojo que sinto ao gozar com aquela moça bonita por quem eu
não sentia nada, facilitam tudo. Enquanto ela cochila, exausta, ao
meu lado, olho para o teto e reflito sobre duas coisas. A primeira é
em como deixar minhas finanças para meus pais. A segunda é que
tenho que acabar com essa maldita hipocrisia que chamo de vida o mais
rápido possível.