2.
Ressaca somada a uma segunda-feira é um conjunto esmagador. Olhos marejados, nariz escorrendo vômito, olho para a privada e vejo uma mistura de fluido estomacal com uma bolinha de sangue. De duas uma: ou a força que fiz para vomitar estourou vasos no esôfago ou é só mais uma etapa do meu corpo pedindo por clemência. Depois de um banho longo, onde eu tento lembrar o que tinha feito ontem de noite, vou à cozinha e encho um copo de coca-cola gelada. Uma sobra de pizza gelada reveste o que sobrou de meu estômago e visto-me para o trabalho.
“Cara, o que rolou ontem?” Alguns flashes passam pela minha cabeça. Risos, mulheres, amigos, amigas, copos, cerveja, um tapa, cachaça, talvez vodka (ou seria steinhaeger?). “Será que fiz algo com alguém?” A ressaca moral, aquela estranha sensação de ter conversado algo inapropriado com uma pessoa, faz com que eu acorde dos meus sonhos da noite anterior quase no instante em que esbarro meu carro no do cara que está me xingando. Sei como começou, sei de algumas coisas durante, não sei como cheguei em casa. Péssimo. Pelo menos desde sábado já está tudo decidido. Então, que se foda o que fiz e com quem fiz.
Chego no trabalho, atrasado, olheiras profundas. Todos sabem, provavelmente pelo aspecto e pelo hálito, que estou de ressaca. Converso pouco, tomo café, olho para a cara de cada um e cada uma com um nojo estupendo, que faz minha cabeça rodar e lembrar da bola de sangue na privada. “E aí Marco, ressacão hein?” “Pois é, Carlo... hoje tá difícil!!!” Única frase que consigo dizer sem ter ânsia de vômito. Enquanto eu respondia, alguns sorriam ironicamente, outros companheiramente, e algumas pessoas fechavam a cara. Diziam-se amigos e amigas. Eu não sentirei falta alguma de nenhum. Mesmo com esta maldita ressaca, insisto em prestar atenção. As conversas, sempre as mesmas: 1) “Hoje tá ______, hein!” Coloque no espaço as seguintes palavras: frio, quente, chovendo, seco. 2) “Você viu ______? Ficou com _______, aquele(a) _______! Deu vexame!” Coloque nomes masculinos e/ou femininos, e adjetivos pejorativos no final. 3) “________ morreu!” Nome do(a) último morto(a) do fim de semana. 4) “Você viu a treta de _______?” Nome de algum(a) ator ou atriz famoso(a). E assim por diante. Nada além de futilidades. Pela primeira vez no dia dou um sorriso sincero. Muito bom.
Vou para minha sala e decido trabalhar pesado. Durante o dia, deixo toda a papelada pronta para amanhã, toda a imprestável burocracia praticamente resolvida. Sem almoço e saindo da sala apenas para ir ao banheiro, termino o dia no site do banco, movimentando as últimas contas e deixando no computador os dados para a transferência de amanhã. Pronto, mesmo movido a neosaldinas e com a cabeça estourando, consigo deixar tudo resolvido para a manhã de terça-feira.
Entro em casa aproximadamente às 8h30m da noite, depois de passar na padaria. Tomo um banho, melhor que o da manhã. Faço um café e como pão com presunto e mussarela. Muito bom. Tudo está caminhando bem. Deito em frente à TV, está passando South Park: “Friendly faces everywhere. Humble folks without temptation.” Hahaha. Muito bom. Ligo para minha mãe. “Oi mãe, tudo bem?” A melhor voz do mundo responde, e dispara a falar: “Oooiii meu filho, tudo bem com você? Seu pai tá aqui mandando um abraço. E as coisas no trabalho?” “Tudo ok mãe...” “Aqui também tudo bem. Seus irmãos tão na mesma, trabalhando. Os filhos do Mateus estão dando um trabalhão, tiraram nota baixa. Mas estão lindos, uma benção...” Paro de prestar atenção no assunto, agora pra mim só existe a voz. Maternal seria redundante, mas é o único adjetivo. Sinto-me bem, livre, em paz. Ela passa para meu pai, ele começa a falar sobre o carro que deu problema e sobre os gols de nosso time, mas novamente eu não presto atenção. Sorrio enquanto ouço a voz dele, ao mesmo tempo que lágrimas de felicidade plena descem pelo meu rosto. “Beijo pai, passa pra mãe. Mãe, beijão. Amo vocês. Dê abraços em todos.”
Desligo. Mais lágrimas.
Está tudo certo.
Amanhã.
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